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Entrevista | Roesler faz balanço da presidência do TJSC, fala sobre democracia, afastamentos de Moisés e 5° Constitucional

Por: Marcos Schettini
21/11/2021 12:56 - Atualizado em 21/11/2021 12:58
TJSC

Há mais de 34 anos como magistrado em Santa Catarina, Ricardo Roesler chega ao fim de seu mandato à frente do Tribunal de Justiça com um leque de importantes contribuições para o Judiciário catarinense. Foi com altivez e sensibilidade que acelerou os trâmites processuais de inúmeras Comarcas ao liderar os julgamentos feitos de forma online para driblar os impactos da pandemia, como também se banhou de competência e responsabilidade ao presidir os dois Tribunais Especiais de Julgamento que afastaram o governador Carlos Moisés do Centro Administrativo, em um momento delicado da política estadual.

Em entrevista exclusiva concedida ao jornalista Marcos Schettini, o presidente do TJSC, desembargador Ricardo Roesler, comentou sobre temas importantes e polêmicos que rondam a sociedade brasileira, como fake news, liberdade de expressão, democracia e legitimidade das urnas eletrônicas. Ainda, fez um balanço do seu trabalho no comando do Poder Judiciário de SC e se manifestou sobre o 5° Constitucional, assim como discorreu sobre armas, Sergio Moro, prisão em segunda instância e sobre seu retorno às Câmaras de Julgamento ao deixar a presidência do TJSC. Confira:


Marcos Schettini: O ministro Alexandre de Moraes vai prender quem propaga fake news. Como combater em SC?

Ricardo Roesler: O uso de informações falsas para influenciar a opinião dos eleitores não é novo na história. A sua notoriedade na última eleição presidencial e a popularização do termo “fake news”, constatamos à época, decorreu do uso intenso das redes sociais e principalmente dos grupos de WhatsApp. Esses veículos ampliaram a difusão e o alcance de todo tipo de informação ligado à eleição, e evidentemente de informações falsas ou sem fonte de comprovação. Essa foi uma das características daquele pleito, demarcada pela polaridade que a rigor se repetirá nas eleições de 2022. Desde 2018 tanto o TSE quanto os TREs instituíram organismos específicos para a verificação de informações falsas ou sem comprovação, e a eventual punição dos responsáveis pela sua propagação. Em minha opinião, esse esforço deverá se intensificar no próximo ano, e a mim parece que a experiência do passado já demonstrou a competência e a eficiência da Justiça Eleitoral para atuar preventiva e repressivamente. Por outro lado, creio que seja fundamental o papel da imprensa, que cada vez mais tem atuado na verificação da origem e da veracidade das informações. O trabalho realizado pelos órgãos de imprensa e os organismos independentes dedicados à checagem de informações, não tenho dúvidas, são imprescindíveis nesse processo.

Marcos Schettini: Por que as urnas eletrônicas são ameaçadas?

Ricardo Roesler: De tempos em tempos a urna eletrônica é alvo de questionamentos. Os seus poucos detratores são sempre os mesmos ou ligados a determinados grupos. Na minha opinião – e falo com a experiência de quem teve a oportunidade de conduzir uma das eleições mais complexas dos últimos tempos, quando a credibilidade das urnas eletrônicas foi posta à prova mais uma vez – a Justiça Eleitoral Brasileira desfruta de um dos mais eficientes e seguros sistemas de votação do mundo. E tanto é assim que nunca houve qualquer evidência concreta de que as urnas eletrônicas pudessem pôr em xeque a credibilidade das votações. Basta ver que alguns dos seus notórios detratores foram eleitos usando este sistema e ao que me consta nenhum contestou a própria votação. Por outro lado, é sempre bom lembrar que as eleições feitas por voto impresso já demonstraram a sua falibilidade, inclusive naquela que é reconhecida uma das maiores democracias do ocidente, os Estados Unidos. Todos nós conhecemos os incidentes ocorridos na eleição de 2000 à presidência, que foi definida na incerteza dos votos de um dos maiores colégios eleitorais daqueles país em meio a alegações de fraude e pedidos de recontagem de votos.

Eu penso, por outro lado, que é parte do jogo político essa retórica que, apesar de cativar poucos, sempre assegura alguma parcela de dividendos eleitorais. Assim como sempre ocorreu com as eleições feitas com urnas de lona e votos de papel haverá quem questione o processo. A diferença que até então apenas em eleições com voto impresso é que se conseguiu questionar e demonstrar efetivamente distorções ou descrédito.


Schettini: Ameaçar o Judiciário diz o que sobre liberdade de expressão?

Roesler: A resposta talvez pareça simples, mas ela é deduzida a partir de um questionamento bastante complexo e de graves repercussões. O Poder Judiciário é, em última instância, o responsável por assegurar a observação de todos os direitos prescritos pelas leis e pela Constituição da República. Temos visto nos últimos tempos algumas tentativas de acossamento da magistratura, que mais que limitar a autonomia e independência do Poder Judiciário procuram desqualificar a sua atuação. É recorrente, por exemplo, a crítica à postura do Supremo Tribunal Federal, que vem atuando de forma mais dura diante dos ataques que em princípio não ofendem apenas as prerrogativas da magistratura, mas a própria democracia. Embora sejam endêmicos, esses ataques ganham cada vez mais proporção e notoriedade e isso é muito preocupante. O enfraquecimento do Judiciário é, em essência, o enfraquecimento da própria democracia, e é bastante grave na medida em que se nota o mesmo movimento em outros lugares do mundo, em que as instituições estão sendo constantemente postas à prova, do que decorre o desgaste das garantias que a democracia assegura, como a liberdade de expressão. A consequência é o crescimento de certos movimentos autoritários, cuja vocação é sempre a limitação de direitos, inclusive e sobretudo da liberdade de expressão, que é o direito de insurgência por excelência.

Schettini: O senhor viveu experiências duras nos dois processos de impeachment do governador Carlos Moisés. O que é certo ou errado naqueles episódios?

Roesler: Pessoalmente eu não qualificaria de “dura” a experiência. A mim foi uma grande experiência pessoal, a começar pelo fato de que em 2019, à frente do Tribunal Regional Eleitoral, dei posse ao atual governador do Estado, e no curso do mandato viria a presidir o tribunal que o afastaria de suas funções em duas ocasiões no intervalo de um ano. Foi, por outro lado, uma experiência histórica inédita, e um grande desafio presidir dois tribunais simultâneos para julgamento do impeachment diante da falta de paradigmas. Desde 1957, nenhum governador havia sido submetido ao processamento pelo tribunal especial que deve julgar os pedidos de impeachment. Por isso foi necessário um grande trabalho, que iniciou pela elaboração de um roteiro que permitisse definir as etapas do processo e o julgamento, tendo por base a Constituição da República, a Lei n. 1.079/50, o Código de Processo Penal e os julgamentos do Supremo Tribunal Federal que referendaram o procedimento adotado no processamento da ex-presidente Dilma Rousseff e do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Houve, por outro lado, a preocupação com a transparência na condução do processo e com a certeza de assegurar todas as garantias fundamentais. Daí ter sido dada ampla divulgação das sessões de julgamento e das decisões tomadas, e o processo tramitou com acesso público por meio digital.

Não vejo, no mais, que haja algo de “certo” ou “errado” a ser apontado em ambos os casos. É importante que se tenha em vista que o pedido de impeachment, embora deva ser usado como um remédio excepcional, é um instrumento legítimo, regulador da democracia. Por outro lado, a aceitação pela Assembleia Legislativa do pedido de impeachment significa, além de indicar a eventual prática de ato que configure infração político-administrativa, a evidência de algum desgaste de natureza política. É certo que a instabilidade política tem muitos reflexos, sobretudo na governabilidade, algo bastante delicado quando se atravessa uma crise de tamanha magnitude como a atual. De toda forma, o Poder Legislativo lançou mão, de modo legítimo e legal, de suas prerrogativas. Como presidente minha preocupação fundamental era de que o processamento e julgamento dos pedidos pelos Tribunais Especiais traduzissem não só a história e a tradição do Judiciário catarinense, mas principalmente a autonomia e a independência dos poderes. Além disso, a função do Tribunal Especial de Julgamento era de assegurar uma efetiva resposta, em tempo hábil, à população catarinense. E creio que tenhamos alcançado esse objetivo. Não nos competia, naturalmente, a conveniência política. Ao fim, penso, contemplou-se a democracia.


Schettini: O senhor vê a democracia fragilizada a ponto de uma ruptura?

Roesler: Muitos analistas têm observado que estamos vivendo um momento delicado. Eu apontei que há movimentos em outros países em que se nota que o risco de alguma ruptura. Sem mencionar alguns países do oriente em que essa rotação é cíclica, vimos recentemente um grave incidente ocorrido em Washington, quando o Capitólio foi invadido por militantes, em parte apoiadores de um ex-presidente. Aqui no Brasil houve ensaios recentes de confronto às instituições, tanto por palavras de ordem de alguns entusiastas de movimentos autoritários como atos concretos de agressão, sobretudo por mídias sociais, que inspiram atenção. O ruído é de tal ordem que o STF passou a atuar de forma mais dura e pragmática, tanto no âmbito jurisdicional quanto no meio político. Sem assumir propriamente algum protagonismo – até porque esse não é, definitivamente, o papel do Judiciário – houve notável atuação no intuito de conter essas insurreições que visivelmente ameaçam a democracia. Ainda que elas oscilem e pareçam reduzidas após a atuação incisiva das autoridades policiais e da pronta resposta do Judiciário, não se pode ignorar aqueles atos ou tomá-los como blefe, porque eles visivelmente flertam com a ruptura. A ameaça formal, ainda que retórica, a quaisquer das instituições ou aos seus integrantes é o sintoma mais grave da fragilização da democracia, e não pode ser simplesmente ignorado ou tolerado.


Schettini: Quando o STF entendeu que as sentenças de Moro a Lula da Silva foram políticas, o ex-juiz rasgou a Constituição?

Roesler: A polarização política tem dado palco a muitas retóricas de frases feitas, o que é uma técnica bem conhecida de convencimento. Ainda que esse tipo de discurso atraia o paladar do senso comum, o que se põem em discussão é bastante delicado e por isso me parece que se deva abrir mão de paixões particulares e louvar a leitura crítica. A revisão das decisões feitas pelo STF pressupõe o seu desalinhamento com o texto constitucional a partir de algo que é muito grave: a quebra do princípio da imparcialidade, indispensável no exercício das atividades da magistratura. Do ponto de vista jurídico foi reconhecido o conflito daquelas decisões com o que determina a Constituição, e esse é o dado ao qual devemos nos ater, que é o que de fato importa.


Schettini: O que o senhor vê sobre prisão em segunda instância? É uma lei perigosa?

Roesler: A discussão sobre o sistema recursal brasileiro, que em termos práticos é o que permite a longa duração dos processos e a demora na solução final, é de longa data. Temos uma tradição histórica que justifica isso. Outros países estabelecem modelos recursais mais singelos, alguns admitindo a prisão apenas com a condenação e a despeito de haver a possibilidade de recorrer-se da decisão. Eu penso que evoluímos bastante nos últimos tempos, simplificando formas e decotando excessos. Mas não podemos desconsiderar nossa longa tradição, que é refletida na Constituição. Não é propriamente uma lei, mas a Constituição que define o marco com o qual se determina a prisão, que em outras palavras é quando se reconhece, ainda que formalmente, definitiva uma decisão judicial. O Supremo Tribunal Federal, intérprete da Constituição, fez a leitura e definiu esse marco. Ainda que algum de nós possa divergir dessa posição, devemos considerar que a prisão pressupõe o prévio processo, com todos os meios inerentes à defesa. Nos casos em que ele se revela falho ou ilegal as leis e a Constituição asseguram tanto a revisão quanto o direito de reparação. Pressupor que apenas se faz justiça após exaurido diversas instâncias recursais suponho não é algo que se possa afirmar. A meu sentir o que se diz com isso, sem muita reflexão e análise da complexidade envolvida, é que apenas a revisão pode qualificar uma decisão tomada por um magistrado apto e diante de um processo em que se assegurou todos os meios inerentes à defesa do acusado, ainda que não se aponte concretamente vícios ou incorreições.


Desembargador Ricardo Roesler, presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (Foto: TJSC)

Schettini: O senhor deverá voltar às Câmaras de Julgamento depois de deixar a presidência. Não é uma afronta à posição ocupada?

Roesler: Em absoluto. O cargo de presidente, do qual tenho a honra de ocupar, é transitório. Sou essencialmente um magistrado há 34 anos, do que muito me orgulho e no que vejo a minha vocação natural. Estou tendo a oportunidade e o privilégio de contribuir com a instituição à qual pertenço. Sou grato pela confiança que recebi tanto dos pares que me elegeram quanto de todos os integrantes do Poder Judiciário, Magistrados e Servidores, que não só contribuem para o trabalho de excelência da instituição, mas participam efetivamente da administração do Poder Judiciário de Santa Catarina.


Schettini: Armar o cidadão é um caminho para diminuir a violência?

Roesler: O tema tem sido muito debatido ultimamente em razão da ampla abertura do comércio de armas e de um impacto que ainda não é medido concretamente. Muitas pesquisas demonstram que não é efetivamente a posse de armas, mas a priorização de determinadas políticas públicas que contribuem efetivamente para a diminuição da violência, na medida em que reduzem as desigualdades sociais. Usa-se retoricamente do direito de defesa e insurreição, mas particularmente não vejo pressupostos históricos ou sociais que justifiquem essa premissa. A efetiva presença do Estado, sobretudo no campo social, parece ser uma das armas mais eficientes para o combate da violência. Na ausência do Estado e no vácuo de poder que se cria pela ausência outras lideranças naturalmente ocupam aquele espaço.

Schettini: O 5º Constitucional é um caminho político?

Roesler: A reserva de assentos nos tribunais a membros do Ministério Público e da Advocacia cumpre uma vocação de pluralidade que é, em essência, um dos traços mais evidentes da Constituição da República. Do ponto de vista da magistratura – e falo com a tranquilidade de quem advogou antes de ingressar por concurso na carreira – essa pluralidade determinada pela Constituição assegura uma oxigenação bastante importante, pois permite que se some às experiências da carreira da magistratura a de outros atores, que atuam na ponta da prestação jurisdicional. Essa soma de experiência tende a enriquecer os debates e, consequentemente, as decisões judiciais.

Schettini: Qual o balanço feito sobre sua presidência à frente do Poder Judiciário?

Roesler: Antes tudo é uma das experiências mais marcantes, importantes e ao mesmo tempo desafiadora da minha vida. Não só pela oportunidade de poder gerir, com o auxílio de meus pares, a instituição a que pertenço, mas de poder de certa forma ter contribuído para o aprimoramento e a evolução do Poder Judiciário de Santa Catarina. Todos os desafios, e eles foram muitos e variados até aqui – desde a pandemia, que exigiu a tomada de decisões rápidas e a ressignificação de alguns de nossos valores, até os processos de impeachment – serviram para impulsionar novas políticas internas e projetar o Poder Judiciário de Santa Catarina. Não tenho dúvidas de evoluímos muito e que mudamos muitos paradigmas, que foram possíveis não só pela crise sanitária que impulsionou muitos movimentos inovadores que já aprimoram as atividades do Judiciário, mas principalmente pelo engajamento e o compromisso de todos os integrantes do Poder Judiciário. Não tenho dúvidas de que estamos saindo dessa crise muito melhores e mais eficientes do que entramos nela, e com um grande horizonte para avançarmos. Se há algum legado, ele talvez seja definido pela resiliência, pela maturidade e pela evolução, e é um legado que eu tributo a todos aqueles que integram o Poder Judiciário e àqueles atores que indiretamente contribuem para o aperfeiçoamento da Justiça.


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